quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Espeleologia Relação direta com o homem

Desde o início da Espeleologia que o homem tem vindo a deparar com criaturas que vivem nos lugares mais interiores das grutas, apesar das condições adversas do meio. Esta Fauna desde sempre suscitou a curiosidade científica, pois questionou-se de imediato sobre as formas de sobrevivência destes seres num ambiente tão inóspito, onde a luz é escassa ou mesmo inexistente e o alimento pouco abundante. Foi para responder a estas questões que surgiu uma nova ciência a que se deu o nome de BIOESPELEOLOGIA.
Esta disciplina tem como objectivo o estudo destes seres e os seus meios de subsistência, revelando cada vez mais um mundo fascinante, completamente diferente daquele a que estamos habituados e onde se podem encontrar "seres estranhos" desprovidos de olhos e de cores ou, ainda, membros invulgarmente alongados.

Flora cavernícola

A Flora existente no interior de uma caverna relaciona-se, principalmente, com a quantidade de luz existente, distribuindo-se assim pelas três principais zonas da gruta.
A Zona de Claridade, existente à entrada da gruta, onde penetra grande quantidade de luz, permite o desenvolvimento de plantas clorofilinas as quais necessitam da luz solar para realizarem as suas funções vitais. Os vegetais mais frequentes nesta zona são as Heras, Hepáticas, Musgo, Fungos, Algas e líquenes, que necessitam de pequenas quantidades de terreno para se fixarem e de muita humidade. Em grutas com grandes aberturas e entrada de luz muito abundante, podem até desenvolver-se vegetais do tipo arbustivo, embora nenhum destes grupos botânicos necessite da gruta para viver, encontrando-se lá apenas por mera casualidade.
Caverna
A Zona de Penumbra, já mais no interior das cavidades, onde a luz escasseia, não permite a existência de vegetais clorofilinos, à excepção de algumas algas verdes que conseguem subsistir com quantidades de luz muito reduzidas. É também natural encontrar plantas clorofilinas, cujas sementes entram no interior da gruta por acidente, levadas por correntes de ar ou transportadas na pele ou patas de animais, as quais germinam e dão origem a plantas frágeis e doentias, mostrando sinais típicos de fototropismo (inclinação em direcção à luz), tendo em geral pouco tempo de vida. Nesta zona desenvolvem-se ainda alguns fungos, emboram não tenham grande capacidade de proliferação, devido à falta de matéria orgânica no substrato ou à acidez das argilas.
A Zona Escura, onde a luz está completamente ausente, permite apenas a existência de uma rica flora bacteriana e alguns raros fungos que se fixam no guano e sobre o corpo de organismos, em especial insetos. A flora bacteriana tem um papel preponderante na decomposição do guano e na alimentação de alguns outros organismos, tais como ácaros, colembolos, etc. Quanto aos vegetais, tal como na zona de penumbra, existe a possibilidade de germinação de sementes e esporos, os quais estão condenados a uma morte quase imediata devido à extrema adversidade do meio. Podemos, pois, considerar como inexistentes as formas de vida botânicas que estejam intimamente relacionadas com a gruta.

Fauna cavernícola

A Fauna dentro de uma gruta, divide-se também em três grupos:
Os animais que se encontram, em geral, próximo da entrada da gruta e que não dependem desta, sob forma alguma, encontrando-se nestes locais apenas por casualidade ou acidente. Os mais frequentes são os Anfíbios (salamandra, tritão e sapo), os pequenos mamíferos (ratos) e os Artrópodes (aranhas, moscas, borboletas nocturnas, centopeias, etc.). Estes animais não influem na gruta em si nem dependem dela sob nenhum aspecto.
Os animais que têm uma preferência natural pela gruta, necessitando desta para realizar algumas das suas funções vitais, tais como a reprodução, hibernação, abrigo, etc.. De entre estes, o exemplo mais típico é o morcego que necessita da gruta e também influi nesta de forma radical, devido à função de portador de nutrientes, dos quais depende toda uma comunidade de seres vivos e cadeias tróficas. Esses nutrientes são o alimento que o morcego durante a noite recolhe, fora da gruta, sob a forma de insetos voadores e que posteriormente libertado, já digerido e transformado em excrementos, a que se dá o nome de guano, vai servir de alimento a animais que dele diretamente dependem, formando outro grupo cavernícola. Este grupo abrange a flora bacteriana e os Ácaros, Colembolos e Dípteros, sem esquecer os predadores do tipo dos miriápodes (centopeias), pseudo-escorpiões e outros.
Caverna
Fonte: espeleopaty.vilabol.uol.com.br
Bioespeleologia
A Bioespeleologia é o ramo da Biologia que se dedica ao estudo dos seres vivos que ocorrem no ecossistema cavernícola.
Proteus anguinus
Proteus anguinus
1. Fatores climáticos importantes
A luz permite caracterizar a gruta em 3 zonas muito importantes do ponto de vista bioespeleológico.
Bioespeleologia
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A Temperatura apresenta variações diminutas e é, normalmente, igual à média das temperaturas anuais exteriores.
A Atmosfera cavernícola é normalmente rica em CO2. A circulação de ar dentro das cavidades depende das correntes de convexão das massas de ar quente e frio, o número de entradas a pressão atmosférica exterior, a dimensão e forma das galerias, entre outros factores.
A humidade relativa do ar é próxima da saturação.
Cavernas



2. Dados históricos

O mundo subterrâneo, desde cedo, cativou o homem e muito se extrapolou sobre monstros que habitavam as profundezas das cavernas.

A história da bioespeleologia começa em 1689, quando Barão Johann Weichard Valvasor descreve a existência de um ‘dragão’ que habita o mundo subterrâneo, que 79 anos é descrito por Laurenti como sendo o anfíbio troglóbio Proteus anguinus.
Mr. Proteus
Em 1831, o Conde Franz von Hohenwart recolhe o primeiro coleóptero cavernícola, Leptodirus hochenwartii.
L. hochenwartii Schmidt, 1832
Ainda no século XIX, Schiodte publica “Specimen Faunae subterraneae”, uma extensa obra onde descreve e introduz o conceito de Espeleobotânica, que viria a cair em desuso pelo facto das plantas apenas habitarem as zonas de entrad a penumbra das cavidades.
Só em 1904, Armand Viré introduz o termo Bioespeleologia.
Em 1949, Renné Jeannel funda, em França, o Laboratório Subterrâneo de Moulis.
Emil Racovitza (1868-1947) de nacionalidade romena, é considerado o pai da bioespeleologia. Com os seus discípulos realizou mais de 50 expedições por toda a Europa, América e África. No ano de 1907, publica "Essai sur les problemes biospeologiques", obra dedicada à problemática do estudo de troglóbios, que marca definitivamente a individualização do estudo da fauna cavernícola.
Em 1965, A.Vandel, na altura director do laboratório subterrâneo, publica “Biospéologie, la biologie des animaux cavernicoles” em 1965, uma obra de referência incontornável, que recolhe a maioria da informação até à época.
Em 1980, é descrito pela primeira vez o Meio Subterrâneo Superficial (MSS), abrindo novos horizontes à biologia das espécies hipógeas e alargando enormemente a sua área de distribuição, que se julgava anteriormente, confinada às cavidades.

3. Flora cavernícola

Não se pode falar de uma flora cavernícola propriamente dita, porque sendo dependente da fotossíntese, a flora está confinada à zona iluminada e de penumbra, sendo incapaz de sobreviver na zona profunda. Esta exibe uma gradação quanto à sua distribuição em função da abundância de luz: plantas superiores, seguidas de Briófitos e algas endolíticas.
Flora cavernícola
Fenómeno de fluorescência, zona de penumbra

4. Fungos

Os fungos desenvolvem-se por cima de matéria orgânica, digerindo-a. Por um processo de digestão extracelular, os fungos excretam enzimas digestivas sobre a matéria orgânia.
São mais comuns em zonas de aporte de matéria orgânica. Estes formam esporos que só germinam em condições favoráveis.
Fungos
Fungo desenvolvido sobre dejectos de rato no interior de uma cavidade vulcânica

5. Comunidades bacterianas

São os organismos vivos mais abundantes no meio cavernícola.
Nas zonas com luz existem cianobactérias, bactérias fotossíntéticas, que em muitos casos, vivem dentro da rocha (endolíticas).
As bactérias heterotróficas ocupam-se da decomposição da matéria orgânica.
As bactérias quimiolitotróficas vivem nas argilas e nos calcários e produzirem matéria orgânica a partir de matéria mineral.
As nanobactérias, de dimensões ínfimas são abundantes em rochas e minerais e muitas delas, são responsáveis for fenómenos de precipitação do carbonato de cálcio, aparecendo associadas a múltiplas formas de concreções subterrâneas.
Colónias de bactérias
Colónias de bactérias quimiolitotróficas - 'Cave Slime'

6. Fauna cavernícola

Podem-se classificar os animais, com base na forma como utilizam o ambiente cavernícola.
Os termos: troglóxenos, troglófilos e troglóbios, são utilizados para definir categorias ecológicas.
Trogloxenos
São habitantes ocasionais, podem ser encontrados nas grutas devido a mudanças de condições climatéricas exteriores ou por acidente. Os mais comuns são os anfíbios, os répteis e uma grande diversidade de invertebrados.
Salamandra
Salamandra
Troglófilos
São animais que não vivem exclusivamente nas cavernas, mas que as utilizam em fases do seu ciclo de vida, para abrigo ou reprodução. São exemplo, várias espécies de morcegos, a gralha-de-bico vermelho e uma quantidade imensa de Artrópodes.
TROGLÓBIOS – os verdadeiros cavernícolas
São organismos altamente especializados e perfeitamente adaptados ao meio subterrâneo, sendo dele exclusivos. A maioria pertence ao filo Arthropoda (ex: aranhas, centopeias, peudoescorpiões, insectos).
Aranha troglóbia
Aranha troglóbia do Maciço Calcário Estremenho: Nesticus lusitanicus
Estes organismos exibem troglomorfismos - adaptações ao meio subterrâneo, são de tal forma especializados que não sobrevivem na superfície. Por se encontrarem adaptados às condições estáveis do meio cavernícola, são altamente sensíveis a perturbações. Para fazer face à escassez de recursos alimentares, os troglóbios criaram estratégias de desenvolvimento que passam pela poupança energética.
Aranha troglóbia
Aranha troglóbia de Tenerife: Dysdera unguimannis

6. Morcegos cavernícolas e Fauna do Guano

São, provavelmente, os habitantes mais conhecidos do meio cavernícola.
Morcego de peluche
Morcego de peluche - Miniopterus schreibersii
Os morcegos são mamíferos da ordem dos Quirópteros. Estes não possuem asas, voam recorrendo a uma membrana interdigital. Têm uma visão reduzida e orientam-se por um processo de ecolocação, emitindo ultra-sons pela laringe que são captados após reflecção e se baseia-se no fenómeno físico do Efeito de Doppler.
Colónia de morcego-rato-grande
Colónia de morcego-rato-grande - Myotis myotis
Morcego de ferradura-grande
Morcego de ferradura-grande Rhinolophus ferrumequinum
Estes mamíferos hibernam no Inverno, sozinhos ou em colónias, conforme a espécie. Nos climas temperados alimentam-se, essencialmente, de insectos.
Os morcegos são vectores de doenças graves, como a raiva (através da mordedura) e a histoplasmose e criptococose (por via aérea, através de esporos existentes no guano).

Fauna do Guano

A existência de excrementos de morcegos suporta um tipo comunidade designado, Fauna do Guano que é composta pelos Guanóbios, que se alimentam guano e os Guanófilos que vivem mais afastados e são os predadores do Guanóbios. A fauna do guano não é considerada troglóbia.
Colêmbolo guanóbio
Colêmbolo guanóbio

8. Adaptações dos Troglóbios - Troglomorfismos

Os troglóbios evoluiram no sentido de se adaptarem ao meio onde vivem. Especializaram-se de tal forma que são incapazes de sobreviver no exterior.
Todo o seu ciclo de vida se desenvolve no interior das cavidades.
As populações de troglóbios são reduzidas em número e muitas vezes também o são em diversidade. O conjunto de adaptações morfológicas, fisiológicas e ecológicas que os troglóbios apresentam são designadas troglomorfismos e são fruto de uma evolução designada regressiva.
Os principais troglomorfismos são:
Procambarus clarkii white Despigmentação
Redução oftálmica ou Anoftalmia
Alongamento dos apêndices e do corpo
Inviabilização das asas ou apterismo em insectos
Redução ou aumento de tamanho
Nesticus lusitanicus Fage, 1931Instares larvares reduzidos
Estratégia de reprodução tipo K - menos ovos, com maior quantidade de nutrientes
Elevada capacidade de armazenamento de nutrientes
Grande capacidade de resistência ao jejum
Fisiogastria - dilatação do abdómen em fêmeas de insectos
Trechus gamaeTaxa metabólica baixa
Maior longevidade
Fraca resistência à dessecação

9. Proteus - um troglóbio emblemático

É o troglóbio mais emblemático e o único vertebrado troglóbio da Europa.
Endémico da Eslovénia é o símbolo do país.
Habita cavidades e vive preferencialmente dentro de água.
É um anfíbio urodelo, despigmentado e anoftálmico. Possui características primitivas no seu estado adulto.
Respira por três tipos diferentes de processos de trocas gasosas: através das 6 brânquias externas que lhe permitem respirar dentro de água, através de 1 par de pulmões funcionais e e através da pele, por hematose cutânea.
Atinge a maturidade sexual entre os 14 e os 18 anos e é simultaneamente ovíparo e vivíparo, isto é, tanto pode por ovos como ter gestação embrionária.
Tem uma elevada resistência a jejuns prolongados, pode passar um ano sem se alimentar. Mede cerca de 30 centímetros e pode chegar aos 100 anos de idade.
A sua existência foi durante muitos anos envolta em mistério, era tido pelas populações locais como um juvenil de grandes dragões que habitavam as cavernas.

10. Vulnerabilidade do património bioespeleológico

A incapacidade de sobreviver fora do ambiente subterrâneo, torna a fauna troglóbia extremamente vulnerável a qualquer alteração do seu meio.
As principais ameaças são:
1. Poluição antropogénica
Que se infiltra através de percolação ou que é propositadamente, introduzida no meio cavernícola, como por exemplo: esgotos canalizados para o interior de cursos de água subterrâneos, descargas ilegais, fertilizantes utilizados na agricultura, esgotos industriais e urbanos.
2. Extracção de inertes
Conduz à total destruição dos sistemas subterrâneos.
Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros
Exemplo de uma, das muitas, pedreiras do Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros (PNSAC)
3. Desflorestação e destruição/alteração do coberto vegetal - provoca alterações no pH do solo e consequentemente no pH da água que se infiltra no meio subterrâneo.
4. Vandalismo - em todas as suas formas.
5. Turismo espeleológico - em todas as suas formas.
Fonte: profundezas.googlepages.com





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