terça-feira, 25 de setembro de 2012

Catador no Brasil não é profissão

Em primeiro lugar, catador no Brasil não é profissão: é biscate de morador de rua, normalmente explorado pelo dono do galpão. Quando o Governo alardeia que 98% das latas de alumínio são recicladas no país, não está divulgando um indicador de desenvolvimento, mas de miséria humana, até porque não existe uma política nacional de inclusão social e capacitação dessa massa trabalhadora. A foto abaixo não me deixa mentir.


Catador como profissão regulamentada é um cidadão que trabalha de carteira assinada e conta com todos os direitos trabalhistas (salário mínimo, férias, décimo-terceiro, FGTS, aposentadoria por invalidez, etc.), além de ser treinado e capacitado, exercendo seu ofício como qualquer funcionário da Companhia de Limpeza Pública, uniformizado e com EPI (equipamento de proteção individual previsto em lei).

Veja abaixo, o texto e imagem de um caso bem sucedido na cidade de Foz do Iguaçu, retirado da Revista Brasileiros:

"Enquanto os trabalhos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico se fortalecem num horizonte a médio e longo prazos, a frase citada pelo economista britânico, John M. Keynes, em 1923, "a longo prazo estaremos todos mortos", ou na versão mais popular do músico Jim Morrison, "daqui ninguém sai vivo", ecoou como um alerta para mostrar a necessidade de se buscar uma resposta imediata. Luiz Carlos Matinc, técnico da Divisão de Ação Ambiental da Itaipu, é o coordenador do Projeto Coleta Solidária e responsável pela organização dos catadores de papel de Foz do Iguaçu. Para ele, uma questão elementar é mais do que suficiente para justificar qualquer medida em favor dessas pessoas. "Nos meses de verão, a temperatura aqui na região ultrapassa os 40 graus. É no mínimo desumano permitir que eles, principalmente idosos e crianças, andem pelas ruas puxando um carrinho." Mas a questão foi bem mais complexa. O primeiro desafio foi fazer com que os chamados lixeiros se aceitassem como cidadãos. A maioria havia perdido a auto-estima e o consumo de bebidas alcoólicas era enorme, até entre mulheres, jovens e crianças. Foi difícil fazê-los entender as vantagens do cooperativismo, do associativismo, cujos pressupostos estão sedimentados no trabalho coletivo. "Como não bastasse, eles eram explorados pelos donos dos barracões. Além de o preço pago pelo quilo do material ser apenas 30% do valor de mercado, os 'patrões' ainda cobravam aluguel dos carrinhos que eles puxavam", diz Matinc. Atualmente, a Cooperativa dos Agentes Ambientais de Foz do Iguaçu (COAAF) tem 550 sócios cadastrados e tanto o acompanhamento dos agentes ambientais como as avaliações da própria Cooperativa são feitos pela ONG Instituto Lixo e Cidadania, de Curitiba. Assim, além de melhores rendimentos financeiros, as condições de trabalho e higiene também são mais favoráveis. Outro instrumento facilitador foi o desenvolvimento de um carrinho elétrico para coleta de material nas ruas de difícil acesso, íngremes ou para os percursos mais longos.

Trata-se de um projeto piloto e o primeiro protótipo testado foi entregue por uma empresa privada no final de 2007. Em julho desse ano a Itaipu recebeu mais 50 unidades, sendo 30 para Foz do Iguaçu e o restante distribuído para cooperativas de Recife, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre. Em setembro, numa solenidade que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foram entregues mais cinco em Belo Horizonte. O custo de cada unidade é de R$ 4 mil e o gasto com 'combustível', no caso, energia elétrica, é de R$ 7,50 por mês. Mas não se trata de uma medida paternalista. Num convênio assinado com o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), a Itaipu comprometeu-se a fornecer, além do apoio tecnológico, condições para elaboração de uma base cadastral sobre os veículos, cooperativas e trabalhadores, a ser abrigada no servidor do PTI, além da elaboração de um manual de orientação sobre coleta seletiva. Com isso, o projeto poderá ser disseminado em outras regiões do País. Já se cogita a possibilidade de instituir uma linha de crédito por meio de instituições de fomento oficiais, voltada ao financiamento desses equipamentos para as cooperativas organizadas, onde os próprios catadores serão responsáveis pela administração do projeto."



A verdade é que esperamos por um milagre, como se o problema do lixo urbano fosse resolver-se por si só e nossas lixeiras fossem um desintegrador mágico do que jogamos ali. A visão antropocêntrica de que a solução das questões sanitárias estaria no produto também é equivocada e foi exatamente por pensar dessa forma desde a Revolução Industrial, que chegamos ao tetrapack, bebidas orgânicas, papel "reciclado" e móveis de mdf... porque não mudamos a nossa atitude diante do consumo. A salvação do lixo urbano não está na camiseta de pet, mas justamente em parar de fabricar tanta embalagem plástica oriunda de petróleo ou bioplástico de milho transgênico.

Vamos por partes: para fabricar o papelão do tetrapack, ou madeira de reflorestamento do MDF, ou o papel "reciclado" da nossa resma de A4, plantamos eucalipto. O eucalipto, que não é sequer nativo da flora brasileira, além de sugar 30lts de água diários dos lençóis freáticos, devasta os 7% remanescentes de Mata Atlântica. Com isso, perdemos em bioversidade num bioma em extinção e condenamos a área nativa ao processo de desertificação futuro.

Normalmente, o fardo de tetrapack é descartado na lixeira destinada à coleta seletiva do papelão e a cooperativa em questão não terá recursos para descartar devidamente as outras folhas de alumínio e plástico, gerando mais um resíduo desnecessário. Logo, tudo que não for coletado, transportado e reciclado, será descartado num aterro sanitário. Se existir um aterro sanitário ou controlado no município em questão, o que ainda é exceção no nosso país, vide o exemplo do Morro do Bumba, cujos moradores estão desabrigados até hoje. Outro equívoco é acreditar que o papelão certificado pela FSC da embalagem original é uma alternativa "verde". As fazendas de eucalipto para produzir papel e MDF certificado são uma monocultura latifundiária, corporativa e que emprega crianças e trabalho escravo.
Vou ainda mais longe, o próprio conceito de papel "reciclado" é equivocado, uma vez que o papel é apenas parcialmente reciclado. 50% do papel reciclado é feito a partir de novas prensas de papel branco e clareado quimicamente, poluente e sintético. Mais uma vez, cabe ao consumidor repensar se vale a pena imprimir tanto papel e tentar encontrar aquele livro num sebo. Cada tonelada de papel consome de 10 a 20 árvores, 10.000 lts. de água e 5 Mw/hr de energia.

Pior, compramos água mineral engarrafada em detrimento da água de filtro de barro, considerado o melhor do mundo, e exportamos bebidas prontas a partir de frutas tropicais cultivadas com agrotóxico.
Toda bebida pronta é crime de hidropirataria, pois cada litro de suco, chá gelado, refrigerante e cerveja industrializados consome pelo menos 5 litros de água em todo o processo produtivo. O custo real de 1lt. de bebida industrializada é de pelo menos R$10,00. Como esse preço final é comercialmente inviável, o fabricante não o repassa ao consumidor e, assim que o entorno da fábrica de bebidas for desertificado por exaustão das nascentes, a fábrica (que contou com isenção de impostos ao se instalar, já que gera empregos) se muda para outra localidade e a história se repete.

Na dúvida, voltemos aos casacos e vasilhames em vidro, salubres e retornáveis, apesar de pesarem no frete e consumirem mais combustível fóssil na logística de transporte. Garrafas plásticas, além de não retornáveis e derivadas de petróleo, são ricas em Bisfenol-A, substância cancerígena que foi banida da Austrália e Canadá. A opção em bioplástico de milho transgênico também não é boa solução à longo prazo, em virtude do cartel e monopólio das sementes casadas ao uso de pesticidas, que vem devastando áreas agrícolas, poluindo lençóis freáticos e expulsando os pequenos produtores rurais de suas terras.
Repare também que todas as embalagens que armazenaram perecíveis, devem ser limpas antes do descarte. A maionese residual de um único pote pode virar uma colônia num galpão abafado e assim, contaminar todo o fardo armazenado no local.

O diferencial é sempre a mudança do padrão de consumo e comportamento, reduzir a quantidade de bebidas prontas e água mineral engarrafada, que produzem embalagens que não sabemos como administrar e são hidropirataria, pois desertificam as áreas de entorno das fábricas no longo prazo. Fazer dos mesmos uma exceção para dias de festa (ou quando não há água potável disponível), em harmonia com o meio ambiente. A humanidade tem 10.000 anos e a Revolução Industrial, 200 - fazer um chá gelado e uma limonada não são difíceis e nos beneficiam imensamente em termos ambientais e nutricionais.

Reciclar é um conceito apoiado num tripé: recusar, reutilizar e só então reciclar (transformar).

O artesanato e a indústria são as 2 frentes da reciclagem, mas é exatamente o comportamento do consumidor que pode reduzir a produção de embalagens "verdes", que consomem matéria-prima, água e combustível fóssil na logística de transporte. Recusar é a primeira barreira que o consumidor pode impor para o consumismo e excesso de embalagens. Como eu já disse em muitas outras postagens, aqui em casa, as compras são feitas em 2 lugares: feira de orgânicos e empório a granel, direto do produtor sem veneno e à peso sem embalagem pelo custo do atacado - ganho em qualidade e quantidade. Não que todo meu lixo gerado seja casca de legume e fruta orgânico ou meia dúzia de saquinhos de grãos do mercado à granel, eu também tenho minhas lâmpadas, pilhas e eletrônicos, mas como a quantidade total é muito menor, torna-se mais fácil de administrar um volume reduzido. Mesmo as lâmpadas são poucas (pois só compro das inteligentes, que consomem menos energia e duram 6 anos), como meu celular, que é usado até acabar (apesar de eu ter bônus para trocar pelo aparelho que quiser). Eu recuso muito para poder reciclar pouco.

Fique de olho, nenhuma grande empresa de refrigerante lança garrafas com 30% a menos de plástico, porque é ambientalmente correta - isso é só greenwashing. Assim como a propaganda de bancos que investem em sustentabilidade nos lembra do que pagamos de tarifa, a indústria automobilística e os postos de gasolina adoram anunciar que todo brasileiro é apaixonado por carro e os fabricantes de cosméticos não-biodegradáveis e testados em animais são justamente os que lançam campanhas do gênero "somos todos um". É a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Fiscalização do IBAMA que está obrigando essas empresas "amigas do meio ambiente" a recuperar as embalagens que produzem entre outras ações. Essas "boas práticas ambientais" não são responsabilidade social e engajamento, são apenas o cumprimento da lei passível de multa e interdição e em muitos casos, isenção fiscal.

Só existem 2 embalagens realmente recicláveis: ecobags e carrinhos de feira, não por um acaso a primeira postagem desse blog modesto. Veja as fotos de ambos, no meu apartamento antigo, nas postagens: Sacos plásticos nunca mais e Campanha para redução de sacos plásticos.

E o mais importante, o fato de um condomínio-empresa ter centenas de lixeiras para coleta seletiva não significa nada. Se o material descartado não for devidamente coletado por uma cooperativa de reciclagem, acaba no caminhão-triturador da empresa de limpeza pública. O mesmo caminhão da primeira foto da postagem, que despeja tudo junto num aterro sanitário lotado. Isso é claro, se o município em questão tiver um aterro sanitário ou pelo menos controlado, a maioria não têm e assim, os lixões urbanos a céu aberto vão se formando e sendo incorporados pela paisagem. Para saber onde estão as cooperativas de catadores em todo o país, veja o site do MNCR (Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis)


Outras fontes de consulta:
Wikipedia
CEMPRE (Compromisso Empresarial para Reciclagem)
Instituto Akatu para o consumo consciente
MNCR (Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis)
Portal Lixo
ABRE (Associação Brasileira de Redistribuição de Excedentes)
Portal Viva Viver da Unimed



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