Por Virgílio Viana
O desafio de diminuir nossa dependência dos combustíveis fósseis não é fácil. A redução do desmatamento combinada com a degradação florestal também não. Ambos representam dois dos principais desafios da humanidade no século XXI. Estima-se que 57% das emissões de gases que causam o efeito estufa sejam oriundas de combustíveis fósseis. As queimadas e o desmatamento respondem por 12 a 20%; mais do que todo o setor de transporte (carros, aviões, etc.). Para evitar os cenários mais pessimistas das mudanças climáticas será necessário reduzir as emissões globais desses gases em pelo menos 25% até 2020 e em pelo menos 80% até 2050.
É necessário investir em inovação tecnológica, implementação de políticas e no envolvimento do setor privado em iniciativas voltadas para o desenvolvimento de uma economia verde, ou de “baixo carbono”. Trata-se de uma transição gradual cuja velocidade está diretamente relacionada aos recursos investidos nesse processo. Quanto maior forem os investimentos, mais rápida será a transição. O debate urgente é como podemos acelerar a transição rumo à economia verde. A ONU estabeleceu uma meta de US$ 100 bilhões ao ano no Fundo Verde, a partir de 2020*. De onde virão os recursos? Buscam-se soluções criativas e inovadoras.
O setor de petróleo e gás, além de ser parte do problema das mudanças climáticas, pode também ser parte da solução. Trata-se de um segmento da economia com uma das mais elevadas margens de rentabilidade. Portanto, é o setor com a maior capacidade de internalizar custos adicionais relacionados às mudanças climáticas.
As florestas também são parte do problema e podem ser parte da solução. Trata-se do segmento que oferece um dos mais baixos custos para a redução de emissões de gases efeito estufa. Adicionalmente, as florestas produzem co-benefícios únicos como a conservação da biodiversidade, a regulação do regime de chuvas e vazão dos rios e oportunidades para o combate à pobreza. Assim, este deve ser o setor prioritário para receber investimentos relacionados com a economia verde.
Um compromisso das petroleiras de investir nas florestas tropicais seria bom para enfrentar a equação do clima
A Amazônia experimentou, desde 2004, um período de queda nas taxas de desmatamento. O Amazonas foi o primeiro Estado a iniciar uma trajetória de queda consistente no desmatamento, a partir de 2003, como resultado de um conjunto de políticas públicas estaduais voltadas para o desenvolvimento sustentável. Entretanto, existem indicadores de interrupção desse processo de queda nas taxas de desmatamento que, em 2011, voltaram a aumentar em várias regiões da Amazônia. A solução duradoura depende da valorização econômica da floresta em pé.
Precisamos reduzir tanto o consumo de combustíveis fósseis quanto as taxas de desmatamento e degradação florestal. Entretanto, a redução da dependência de combustíveis fósseis depende de inovações tecnológicas que demandam tempo. Por outro lado, a redução nas taxas de desmatamento e degradação florestal pode ser alcançada em períodos de tempo relativamente mais curtos. É possível conectar esses dois segmentos?
Tomemos o caso da Amazônia. O potencial de produção de petróleo e gás natural é estimado em mais de 130 bilhões de metros cúbicos. A utilização desse potencial resultaria na emissão de 325 bilhões de toneladas de CO2 **. Por outro lado, o desmatamento previsto para 2050 implicará na emissão de 117 bilhões de toneladas de CO2 ***.
Uma alternativa é a compensação das emissões de carbono oriundas do petróleo em atividades de conservação e manejo florestal. A compensação das emissões de CO2 relacionada ao petróleo e gás pode ser tratada de várias formas. Primeiro, pelo lado do consumo, em que o consumidor paga pela pegada ambiental causada pelos seus hábitos de consumo. Ou seja, cada consumidor paga pela sua poluição pessoal. Isso pode ser feito de forma voluntária ou por meio de um tributo especifico. Segundo, pelo lado da oferta, quando a compensação das emissões é tratada pelos produtores de petróleo e gás. Ou seja, a empresa produtora de petróleo paga por parte da compensação das emissões.
Pode ser utilizado o conceito de compensação de toda a cadeia produtiva e do ciclo de vida dos produtos derivados do petróleo e gás natural. Nesse enfoque, calculam-se todas as emissões associadas à cadeia produtiva de petróleo e gás e estima-se uma repartição de responsabilidades entre empresas produtoras e consumidores. Trata-se de um desafio técnico e científico relativamente simples e que pode embasar decisões políticas e econômicas importantes.
Tomemos um exemplo de uma produção de 50 mil barris por dia de petróleo no Amazonas. Se as empresas produtoras destinassem R$ 1,00 por barril para um “fundo verde”, a ser investido exclusivamente em florestas, teríamos um investimento de R$ 18 milhões por ano. Isso representaria um recurso novo e adicional bastante expressivo diante dos investimentos em curso. Se extrapolarmos esse cálculo para toda a indústria de petróleo, em escala global, teríamos um valor de US$ 20 bilhões ao ano, ou cerca de 20% do total estimado para o Fundo Verde para o Clima da ONU em 2020. Não que isso irá resolver tudo, mas é um passo inovador e significativo para acelerar a transição rumo a uma economia verde de baixo carbono.
Um compromisso das empresas produtoras de petróleo de investir na conservação das florestas tropicais seria um passo importante para enfrentar a difícil equação do clima. Esses investimentos representariam um marco histórico para a indústria do petróleo e gás. Pela primeira vez, seria criado um mecanismo que relaciona, de forma direta, a produção de petróleo com investimentos em sustentabilidade e com a redução do desmatamento e a degradação florestal. A boa noticia é que esta proposta já encontra a adesão de empresas do segmento de petróleo e gás.
* Mais informações, acesse http://cancun.unfccc.int/financial-technology-and-capacity-buildingsupport/new-long-term-funding-arrangements.
** Considerando fator de emissão de “óleo cru” (IPCC, 2006).
*** Emissão de 32 bilhões de toneladas de carbono (Soares-Filho, et al., 2005)
Virgílio Viana, Ph.D. pela Universidade Harvard, livre docente pela USP e ex- Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, é superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável.
Artigo publicado em sexta-feira, novembro 18th, 2011 , 3:49 pm na categoria Sustentabilidade e Negócios. Acompanhar comentários a este artigo através da alimentação por RSS 2.0 Fechado para comentários.