Quem gosta de uma cervejinha acompanhada de caranguejo, e costuma freqüentar as barracas de praia e restaurantes em busca do crustáceo deve tomar cuidado: o caranguejo uçá, esse mesmo que você massacra com o martelinho de madeira ou o cabo da faca para tirar a suculenta carne branca que há dentro de pernas, garras e cascos, corre o risco de desaparecer, entrar em extinção. O alerta foi dado ontem durante o I Encontro de Pesca Artesanal, na Faculdade de Direito da Ufba, que reúne pescadores de todo o país, e na Conferência Internacional Mangrove, que acontece no Bahia Othon, em Ondina, onde especialistas do mundo inteiro discutem o destino dos manguezais, habitat da referida delícia gastronômica.
O professor Everaldo Queiroz, do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), especialista em oceanografia, um dos palestrantes do encontro de pesca promovido pela Confederação Nacional dos Pescadores, explicou que existe entre os pescadores sérios e os estudiosos das universidades um pensamento em comum: a preocupação por causa da destruição das áreas de mangue, habitat natural do caranguejo uçá, foco das discussões nos dois eventos. Seja por loteamentos milionários, invasão de portos e refinarias ou outras ocupações humanas, o certo é que as agressões continuam e o risco de desaparecimento de espécies e até comprometimento da cadeia alimentar dos seres vivos também. O biólogo explica que não só o caranguejo uçá (Ucides cordatus), como o guaiamum (aquele caranguejo azul), próprio das áreas de restingas, encontrados em Arembepe e na ilha, e o pitu (gigante ou marrom) também são ameaçados.
A proposta é discutir com a população de trabalhadores caranguejeiros para que eles se tornem responsáveis, com seus conhecimentos, de ações que minimizem as pressões sobre o ambiente no manguezal, ambientes de restinga (caso das beiras de praia) e evitem as poluições nos rios. Por outro lado, disseminar informações sobre as medidas de proteção que são simples: o ordenamento da pesca do caranguejo respeitando a época de defeso (desova), o tamanho mínimo para captura (é medido com um instrumento chamado caranguímetro) de 13cm, não capturar nem consumir fêmeas (que é reconhecida pelo abdome - aquela parte embaixo do crustáceo que parece listrada, sendo a da fêmea grande e a do macho, pequena) - e, sobretudo, evitar as formas proibidas de captura como a utilização da redinha (saco de ráfia desfiado, jogado no mangue e onde o animal se prende sendo impedido de continuar seu caminho), ou o butijão de gás de cozinha - cuja mangueira é enfiada na loca e o gás expelido para fazer com que o bicho saia e seja preso.
O caranguejo uçá tem um ciclo que deve ser respeitado, ensina o professor. Começa com a época da andada (uatá) quando sai para acasalar. Após esta época, seguindo o ciclo, há a época da engorda (geralmente nos meses que não têm a letra "r"). Em seguida vem a época em que ficam "de leite" (hormônios), quando não devem ser consumidos porque a substância é nociva ao ser humano, e a imbatuma, quando entra na loca para mudança do casco.
Os aproveitadores vão em busca do caranguejo por pressão do comércio, revela o professor. É aí que os consumidores podem ajudar. "O que nós pedimos aos biriteiros que gostam de consumi-lo e também às pessoas que não bebem mas gostam de caranguejo e que não comam as fêmeas, não consumam o caranguejo na época de leite e nem aqueles que estejam abaixo do tamanho mínimo - 13cm". Respeitando os ciclos, cada um pode dar a sua contribuição para a proteção do comércio, do lazer da população e estará respeitando a conservação do caranguejo para as gerações futuras. Porque ainda existe o perigo de faltar caranguejo em Salvador como já faltam os manguezais, alerta Queiroz.
Salvador já teve grandes áreas, conta o professor. Ali no Costa Azul era uma delas, onde hoje ainda desemboca o Rio Camurugipe. Na Boca do Rio, nas proximidades da sede do Esporte Clube Bahia, havia outro. Hoje ainda resiste uma área na Enseada dos Tainheiros, mas completamente comprometida, exemplifica o biólogo. Outro dado triste, contou ele, foi que a última árvore de manguezal em região urbana, em Salvador, foi retirada há 15 dias, na Praia do Sesc, conhecida como Terceira Ponte.
Adapitação
Ricardo Pereira
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