1. Introdução 
Adriana Marques RossettoI; Dora Maria OrthII; Carlos Ricardo RossettoIII
 
Adriana Marques RossettoI; Dora Maria OrthII; Carlos Ricardo RossettoIII
IDoutora em engenharia de produção    e mestre em engenharia civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),    graduada em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL),    professora do Programa de Mestrado em Gestão de Políticas Públicas    da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Endereço: Rua das    Acácias, 121, bl. B3, ap. 402  Carvoeira  CEP 88040-560     Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: arossetto@ufp.br
O ambiente urbano, entendido como uma organização    social complexa regida pela incerteza e pela possibilidade  construído    pelo conjunto de relações que se estabelecem entre suas partes    , não se restringe apenas às relações entre    suas medidas e seus materiais. Como ele não vale por si próprio,    seu valor ou significado surge em função das relações    que estabelece entre o espaço e seus habitantes (Rheingantz, 1990).
Variáveis sociais, econômicas, físico-espaciais    e ambientais fazem parte desse complexo emaranhado de relações    e demandas, o que requer habilidades de planejamento e gestão, de forma    a gerar espaços urbanos democráticos, socialmente justos e com    adequadas condições físico-ambientais.
Entretanto o que se observa no cenário    brasileiro é uma rede urbana formada por cidades com características    bastante diferenciadas, mas que, apesar de suas peculiaridades regionais e locais,    abrigam, com maior ou menor intensidade, problemas intra-urbanos que afetam    sua sustentabilidade, particularmente os decorrentes de dificuldades de acesso    a terra urbanizada, déficit de moradias adequadas, déficit de    cobertura dos serviços de saneamento ambiental, desemprego e precariedade    de emprego, violência/precariedade urbana e marginalização    social. A concentração física e o modelo de exclusão    territorial que marcam o desenvolvimento de nossas cidades promovem e expõem    a tragédia da concentração da renda nacional (Moraes, 2002;    Bezerra e Fernandes, 2000; Rolnik, 2000; Rolnik e Cymbalista, 1997).
Esses desafios devem ser enfrentados, e um dos    principais é o de buscar novos modelos de políticas públicas    urbanas que combinem o esforço de crescimento econômico com as    ações equilibradas para obtenção de condições    dignas de vida para as populações, com redução nas    taxas de degradação do meio ambiente. Repensar a gestão,    o planejamento e a governabilidade urbana a partir de um considerável    contingente de limitações não será tarefa das mais    fáceis, entretanto precisa ser imediatamente assumida. Como solução    possível para o enfrentamento dessas questões encontra-se a priorização    na elaboração de instrumentos que viabilizem, na prática,    as ações públicas para o desenvolvimento sustentável.
Assim, com o objetivo de auxiliar na instrumentalização    das equipes técnicas das diversas secretarias das prefeituras e dos órgãos    concessionários ou de prestação de serviços públicos,    o presente artigo, resultado de estudos desenvolvidos pelos grupos de pesquisa    em Políticas Públicas e Sustentabilidade (Programa de Mestrado    em Gestão de Políticas Públicas) e pelo Núcleo de    Gestão Ambiental e Social (Programa de Pós-Graduação    em Administração) da Universidade do Vale do Itajaí (Univali),    em conjunto com o grupo de pesquisa em Gestão do Espaço (Programas    de Pós-Graduação em Engenharia de Produção,    Engenharia Civil e Arquitetura e Urbanismo) da Universidade Federal de Santa    Catarina (UFSC), propõe um instrumento para a gestão estratégica    urbana. O sistema é baseado nos princípios da gestão democrática    do Estatuto da Cidade e do desenvolvimento sustentável, atua a partir    do nível de planejamento e formulação de políticas    públicas, instrumentaliza a proposição de planos e auxilia    na execução dos projetos. Outro aspecto importante do sistema    proposto é a inclusão de mecanismos de avaliação    e desempenho, essencial a qualquer processo de planejamento e gestão.
O modelo, que se encontra mais bem especificado    em Rossetto (2003), partiu da premissa de sustentabilidade adotada por Sachs    (1986), que considera o equilíbrio entre crescimento econômico,    eqüidade social e cuidado ecológico. A partir dos princípios    e premissas adotados, adaptou ferramentas utilizadas na esfera empresarial para    o meio urbano. A estrutura do instrumento inclui a inclusão efetiva da    participação no processo de planejamento estratégico, a    utilização de um balanced scorecard (BSC) para a gestão    urbana, uma estrutura de indicadores direcionada para a sustentabilidade e a    avaliação multinível. Essa última possibilita diversos    níveis de análise e agrega informações de diferentes    aspectos, uma das grandes dificuldades nos processos decisórios relacionados    ao ambiente urbano.
2. Sistema integrado de gestão do ambiente    urbano
Os preceitos que foram utilizados para a formulação    do sistema integrado de gestão do ambiente urbano (Sigau) buscaram subsídios    em três importantes marcos de discussão da política urbana    e ambiental no Brasil: a Agenda 21 brasileira, o movimento pela reforma urbana    e as diretrizes gerais estabelecidas no Estatuto da Cidade. Nos três casos,    o debate público e a participação das entidades representativas    tanto do setor público quanto da sociedade civil organizada deram autenticidade    aos parâmetros que devem orientar a construção da política    urbana em todas as instâncias do poder público.
Embora o trabalho tenha partido da idéia    de criação de uma metodologia de apoio à decisão    que utilizasse indicadores de qualidade ambiental para instrumentalizar as equipes    técnicas das prefeituras na proposição de planos e projetos,    a identificação de questões de abrangência maior    que interferem diretamente nessas atividades fez com que a dimensão do    trabalho fosse revista.
Metodologias de apoio à decisão    utilizadas pelas equipes técnicas das prefeituras, mesmo que introduzidas    as questões ambientais como proposto, não garantiriam que as mesmas    fossem efetivadas, visto que o grande problema do processo decisório    da gestão urbana está em equilibrar as tensões existentes    entre os distintos atores que interagem no mesmo e, ao mesmo tempo, harmonizar    a orientação política, os método utilizados e a    consistência da base técnica que dá suporte à decisão.
De nada adianta melhorar o processo decisório    somente do setor técnico, pois não se deve imaginar que o estado    caótico da grande maioria de nossas cidades se deva ao despreparo dos    profissionais desses escalões. O que se percebe é que, apesar    de muitas vezes o trabalho ser de grande qualidade, o desconhecimento por parte    dos decisores das implicações técnicas de cada projeto,    ou o desconhecimento por parte dos técnicos dos verdadeiros objetivos    dos decisores, faz com que o sistema como um todo se torne ineficiente. Exemplo    disso é a formulação de leis urbanísticas tradicionalmente    alteradas por agentes políticos, que desconhecem implicações    técnicas (como, por exemplo, leis de alteração de uso e    ocupação do solo) e que são os maiores fatores de impacto    urbano e ambiental de médio e longo prazos.
Outra constatação é que,    embora de indiscutível importância, o planejamento das cidades    não tem, na maioria das vezes, cumprido seu papel, seja ele de caráter    físico-territorial em sua versão convencional, marcadamente regulatória,    seja na tipologia de planejamento estratégico mais difundida em nosso    país, a mercadológica (Souza, 2003). Nem os próprios objetivos    propostos pelos planos, questionáveis se analisados sob a luz dos movimentos    recentes para mudanças nas políticas urbanas, são alcançados    de forma satisfatória. Isso se deve ao fato de que os modelos existentes    operam muito bem a formatação do processo, orientam a seqüência    de etapas, mas não chegam a discriminar as metas e os objetivos específicos    para cada setor ou área nem os procedimentos que cada envolvido no processo    deve fazer para o alcance dos objetivos maiores. Por outro lado, não    estabelecem os instrumentos e fontes de recursos (programas) para viabilização    das ações e projetos previstos.
Dessa forma, mesmo que no nível operacional    e no de formulação das políticas urbanas, ou seja, nas    duas pontas do processo de gestão, a administração esteja    bem direcionada, o que não é comum em municípios brasileiros,    a seqüência de procedimentos para que haja continuidade não    existe, fragmentando as ações públicas e tornando-as ineficazes.
Acrescente-se a isso o fraco controle social    para monitoramento, cobrança e avaliação dessas ações    do poder público, o que requer o aprimoramento da participação    comunitária nos processos de gestão, através de mecanismos    como criação de fóruns de discussão com caráter    deliberativo (a exemplo do Conselho das Cidades em formação e    de outros previstos no Estatuto da Cidade), e capacitação para    a participação, o que demanda democratização das    informações, quesito que vai ao encontro dos objetivos do sistema    aqui proposto.
A proposta do presente artigo é unificar    procedimentos que são reconhecidamente válidos, mesmo que utilizados    na gestão de organismos com características distintas (empresas    e órgãos públicos), e adaptá-los para utilização    na administração de cidades, integrando e enfocando as questões    relativas ao desenvolvimento sustentável e envolvendo todos os níveis    da estrutura organizacional pública.
O Sigau foi estruturado para atuar nos três    níveis da estrutura organizacional:
nível de formulação das políticas urbanas  composto por políticos, gestores, administradores, funcionários de escalões hierárquicos superiores dos órgãos públicos, empresários, sindicatos, associações civis, de classes, comunitárias e dos cidadãos em geral. Nesse nível a proposição é de introduzir na metodologia de planejamento estratégico mecanismos de efetiva participação popular, alterando a visão de cidade mercadoria para cidade fruto da construção coletiva. O instrumento foi denominado Planejamento Estratégico Participativo (PEP);
nível de elaboração de planos e propostas  composto por gestores, administradores, políticos, funcionários de escalões hierárquicos superiores dos órgãos públicos e corpo técnico. Para esse nível foi adaptado um instrumento utilizado pela esfera empresarial para a efetivação das estratégias oriundas do planejamento estratégico, o BSC (Kaplan e Norton, 1997).
nível de elaboração de projetos e execução de ações  composto por corpo técnico e funcionários dos escalões operacionais. Para auxiliar a execução dos planos e projetos resultantes da aplicação das etapas anteriores, dois instrumentos de apoio à decisão foram incorporados ao processo. Um voltado para a escolha de melhores opções de ação, o Método Aditivo Linear (MAL) (Bramont, 1996), e o outro destinado à avaliação e ao monitoramento do desempenho dos distintos aspectos do desenvolvimento urbano, baseado em metodologia utilizada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep) e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) (1987) para avaliação do desempenho ambiental de bacias hidrográficas. Esse último instrumento possibilita também a geração de cenários.
O modelo permite a transição do    caráter das ações de forma compatível com a essência    de cada uma das etapas do processo, sendo a primeira essencialmente política    e a última, eminentemente técnica (figura 1).
O Sigau é composto por três fases    e 18 etapas. A primeira fase compreende o planejamento da cidade de forma integrada,    estratégica e participativa e foi denominada PEP. Essa fase vai desde    a organização do processo, o diagnóstico e a análise    da cidade, até a definição de um modelo de desenvolvimento    desejado pela comunidade e as estratégias para atingir o cenário    desejado.
A segunda fase busca viabilizar a efetivação    das estratégias definidas pela comunidade na primeira fase, utilizando    um BSC e criando uma estrutura adequada, uma linguagem comum, com indicadores    para informar e possibilitar um processo participativo. Nela encontram-se a    definição das perspectivas a serem observadas na implementação    das estratégias, a definição dos fatores críticos    de cada uma das perspectivas, a identificação da relação    de causa e efeito entre elas, a formulação de propostas, a indicação    de objetivos e metas, a definição de indicadores para acompanhamento    e a identificação das fontes de financiamento para suporte às    ações.
Na última fase são utilizadas Metodologias    Multicritérios de Apoio à Decisão (MCDA) que auxiliam as    equipes técnicas a melhorar o processo decisório apresentando    e priorizando os projetos que cumpram os objetivos de curto e longo prazos definidos    na fase anterior. Esses instrumentos permitirão que, de forma gradual,    estratégias, objetivos e metas sejam traduzidos em planos e projetos    e operacionalizados dentro de uma única linha de ação.    A estrutura do Sigau pode ser mais bem compreendida na figura    2.
O sistema proposto engloba o planejamento e a    gestão urbana, que, embora indissociáveis, referem-se a momentos    distintos, pois, enquanto o planejamento trata do futuro, a gestão trabalha    com o presente, com a execução dos anseios colocados no planejamento.
Cada um dos instrumentos será descrito    a seguir.
Planejamento estratégico participativo
Neste artigo, desvincula-se do termo planejamento    a idéia do planejamento normativo de caráter regulatório    (incluindo nesse perfil os planejamentos físico-territoriais clássicos    e o planejamento sistêmico) que, segundo Brindley (1989), reinou durante    muito tempo como estilo central na ideologia da profissão de planejamento,    e busca-se uma postura mais crítica, na qual o planejamento e a gestão    urbana sejam utilizados como ferramentas de promoção do desenvolvimento    socioespacial.
Já em relação à conotação    estratégica, a proposta parte de uma visão diferenciada de planejamento    estratégico em que a necessidade de pensar os destinos da cidade em longo    prazo, traçar estratégias maiores e buscar o consenso da comunidade    em torno desses objetivos permanece. Entretanto a visão mercadológica    (utilizando a terminologia de Brindley (1989)  planejamento subordinado    às tendências do mercado [trend planning]; planejamento    de facilitação [leverage planning]; e planejamento de administração    privada [private-management planning], e que no Brasil ficou conhecido    como "urbanismo de resultado"), normalmente associada ao termo estratégico,    no qual as cidades são tratadas como mercadorias, a competição    entre cidades é incentivada e o objetivo maior está voltado ao    desempenho econômico, é descartada e substituída pelos objetivos    do desenvolvimento sustentável.
O modelo traz conceitos e procedimentos do planejamento    estratégico clássico utilizado no meio empresarial e em cidades,    mas sua essência é alterada à medida que assume um caráter    efetivamente participativo, no qual a população não somente    é consultada, mas delibera sobre assuntos de seu interesse. Procura-se    aproximar da linha do "planejamento estratégico situacional"    proposto por Matus (1996) e que, conforme Souza (2003), no Brasil é assumido    na proposta de um "planejamento politizado", inspirado no ideário    da reforma urbana. Dessa forma, o planejamento se transforma em uma construção    coletiva, mas mantém sua função principal, que é    a de direcionar as ações da comunidade para objetivos comuns.
A questão da participação    é tratada pelo modelo de forma a ampliar suas aplicações,    extrapolando a alçada dos orçamentos participativos. Buscam-se    introduzir diversas esferas de participação popular, preconizadas    no Estatuto da Cidade, defendendo o fortalecimento das entidades representativas    dos diversos setores e, através delas, a participação dos    cidadãos, desde as etapas de formulação das políticas    públicas e de planejamento das cidades.
O PEP foi idealizado incluindo o enfoque da participação    popular de forma efetiva, utilizando instrumentos disponíveis na legislação    vigente (em especial o Estatuto da Cidade no qual estão previstas as    Conferências das Cidades, as Audiências Públicas e a formação    de Conselhos das Cidades) e propondo caráter deliberativo aos fóruns    em suas distintas instâncias, fortalecendo entidades representativas e    associações de classe. Entretanto não se pode menosprezar    nem a dimensão política do processo de planejamento urbano e tampouco    a dimensão técnica (Souza, 2003). Dessa forma, a proposta inclui    instrumentos de análise e diagnóstico que garantem um enfoque    integrado e coordenado do planejamento da cidade, visando garantir uma visão    global de sua problemática e a formulação de um modelo    de desenvolvimento consistente. O fluxograma de funcionamento e hierarquia do    PEP está demonstrado na figura 3.
Todas as etapas seguem a premissa da participação    e estão mais bem detalhadas em Rossetto (2003). Elas incluem a organização    do processo, a análise e o diagnóstico urbano, a proposição    do modelo de desenvolvimento para a cidade e a definição das estratégias.
Tendo em vista que o planejamento sempre deverá    considerar a situação presente, o sistema proposto foi formulado    de maneira que as informações geradas pelas diversas fases e etapas    sejam as que retroalimentam todo o processo. Assim, as informações    do PEP alimentarão as ações do BSC, que, ao mesmo tempo,    fornecerá as informações para o processo decisório    das equipes técnicas, o qual retroalimentará o PEP, o mesmo ocorrendo    com o BSC em relação ao MCDA e assim por diante. Desse modo, a    formulação das estratégias não fica restrita a um    único momento, sendo que as estratégias que serão definidas    nessa etapa posteriormente serão desdobradas em metas (fase do BSC) projetos    e ações estratégicos (fase do MCDA). A figura    4 demonstra a interligação entre as etapas e a influência    na formulação das estratégias.
Balanced scorecard 
O segundo instrumento, um modelo BSC com estrutura    similar à do proposto por Kaplan e Norton (1997) e utilizado no ambiente    corporativo, integra as medidas derivadas das estratégias das empresas,    observando outras perspectivas que não somente a financeira.
Na etapa do BSC as estratégias passam    a ser trabalhadas em distintas perspectivas. A partir dos princípios    de política urbana adotados como pressupostos do trabalho, o mesmo contemplou    as perspectivas social, ambiental, físico-espacial e econômica,    consideradas de fundamental importância para a avaliação    do desempenho das cidades e que, se observadas, garantem equilíbrio entre    aspectos definidores da sustentabilidade urbana.
A medição do desempenho será    feita da mesma forma que no modelo de BSC proposto por Kaplan e Norton (1997),    entretanto com outras perspectivas (figura 5).
Embora muitos aspectos estejam presentes e interajam    com mais de uma perspectiva, por questões didáticas e operacionais    cada uma delas será observada a partir de determinados aspectos que serão    a seguir especificados.
Perspectiva social: os aspectos abordados nessa perspectiva relacionam-se às questões de saúde, longevidade, educação, cultura, lazer, esporte, acesso a serviços públicos, participação política, justiça social, segurança, cidadania, infância, emprego, habitação, transporte público, nível de renda, alimentação, marginalização e outros que digam respeito à qualidade de vida da população.
Perspectiva ambiental: os aspectos abordados na perspectiva ambiental relacionam-se às questões de meio ambiente, equilíbrio ecológico, condição dos recursos naturais, condições climáticas, preservação de espécies (animais e vegetais), poluição (sonora, do ar, do solo), utilização de energias renováveis, geração e tratamento de lixo, condição de cursos d'água, preservação de matas ciliares e outros que digam respeito à forma como o meio urbano afeta o meio ambiente e impacta a natureza.
Perspectiva físico-espacial: os aspectos abordados nessa perspectiva relacionam-se a questões de uso e ocupação do espaço urbano, densidades, sistema viário, pavimentações, poluição visual, infra-estrutura para água, luz, telefone e saneamento básico, problemas de enchentes, grau de impermeabilização do solo, arborização, insolação e ventilação dos recintos urbanos, percepção dos espaços, áreas degradas, patrimônio histórico e outros que digam respeito à qualidade física e espacial do ambiente urbano.
Perspectiva econômica: os aspectos abordados aqui relacionam-se às questões de produto interno bruto (PIB), investimentos públicos/privados, desempenho dos setores, renda per capita, arrecadação, orçamento municipal, macroeconomia, economia regional, nível de emprego e outros que digam respeito à geração de recursos para melhorar a qualidade de vida da população e do ambiente urbano.
Tendo-se em vista a abrangência das perspectivas    e que o enfoque principal do trabalho é o desenvolvimento sustentável,    ou seja, que exista equilíbrio entre o desenvolvimento de cada uma, e    considerando-se que a função do Estado é preservar o direito    de todos e a justiça social, compensando os pontos mais frágeis    do tecido socioeconômico-ambiental da estrutura urbana, foram identificados    alguns fatores críticos cujos desempenhos condicionam o desenvolvimento    sustentável.
Identificação dos fatores críticos
A escolha dos fatores críticos foi baseada    nos princípios que nortearam a formulação do modelo, utilizando    o diagnóstico apresentado pela Agenda 21 brasileira e buscando minimizar    as situações que não se enquadram como desejáveis    nas linhas da atual política urbana e fomentar a utilização    dos novos instrumentos propostos pelo Estatuto da Cidade.
Além da identificação dos    aspectos-chave a serem trabalhados no planejamento e na gestão para a    efetivação das estratégias de desenvolvimento, os fatores    críticos, depois de desmembrados em aspectos pontuais, facilitam a escolha    dos indicadores. Os fatores críticos escolhidos para cada perspectiva    são relacionados a seguir.
Perspectiva social: inclusão territorial (acesso à moradia urbanizada, de forma regular, em locais adequados e integrados à malha urbana, ao transporte coletivo e ao saneamento básico); estrutura social (discriminação por racismo, sexo, idade, renda, emprego, opção sexual; trabalho infantil; crianças e adolescentes marginalizados; idosos abandonados; injusta distribuição de renda); educação (acesso ao ensino básico e profissionalizante em idade adequada, a cursos de segundo e terceiro graus públicos e a cursos que melhorem a chance no mercado de trabalho); cultura (acesso a livros, revistas e jornais ou outros meios de comunicação; a espetáculos de teatro, dança, música e produções cinematográficas; a exposições de artes; e apresentações de trabalhos científicos. Nesse fator crítico, entretanto, também é importante o acesso ao ensino e ao desenvolvimento de aptidões em todas essas áreas); saúde (acesso a atendimentos de emergência, próximo e em condições adequadas, hospitalar, quando necessário; a atendimento preventivo e especializado; a atendimento odontológico; a medicamentos de uso comprovadamente necessário; baixas taxas de mortalidade infantil; altos índices de longevidade; erradicação de doenças epidêmicas e de vetores); lazer (acesso a áreas verdes, a equipamentos urbanos destinados à diversão e a manifestações de cultura e de patriotismo, como desfiles e comemora ções; a locais de beleza cênica destinados à contemplação; a locais de recursos naturais de patrimônio público como praias, rios, lagos); esporte (acesso a áreas esportivas, treinamento especializado, competições municipais e intermunicipais); segurança pública (significa: mobilidade na cidade independente de local ou horário; proteção à propriedade privada; pronto atendimento policial, de bombeiros e da Justiça; estrutura carcerária compatível e adequada; controle do tráfico de drogas e da prática de receptação); participação política (comunidade com poder deliberativo sobre as diversas escalas espaciais da participação; autonomia da sociedade civil em relação às forças políticas; existência de mecanismos para redução da desigualdade de condições para participação; necessidade de desenvolvimento de capacidades técnicas, organizacionais e da sociedade civil para a participação).
Perspectiva ambiental: preservação dos ecossistemas (manutenção de ecossistemas importantes em quantidade suficiente para manter a biodiversidade do planeta e as condições de vida tanto na escala local, quanto regional e global) e de sua qualidade (manutenção das condições adequadas dos ecossistemas preservados: qualidade dos recursos naturais).
Perspectiva físico-espacial: organização físico-espacial (significa a existência de plano diretor, leis de usos e ocupação, equilíbrio na distribuição espacial da população, preservação de áreas verdes, inexistência de vazios urbanos e de ocupações ilegais e em áreas de risco, desenvolvimento institucional na área das políticas urbanas); abrangência e qualidade da infra-estrutura (abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto e de lixo, oferta de energia elétrica, abrangência da rede viária e pavimentação de vias, organização do sistema de trânsito municipal, calçadas; drenagem urbana adequada); qualidade dos ambientes urbanos (significa oferta compatível de equipamentos de saúde, educação, lazer, segurança, mobiliário urbano, áreas verdes, espaços diversificados em termos de privacidade e de escala); conforto do usuário (significa manutenção de condições ambientais dentro das zonas de conforto para seres humanos com relação a temperatura, ventos, insolação, ruídos, odores, umidade); percepção ambiental agradável com compatível grau de permeabilidade, identidade local, paisagem cênica, perspectivas visuais, harmonia de conjunto).
Perspectiva econômica: finanças municipais (avaliadas através da arrecadação municipal; do percentual de investimento em obras destinadas a cada uma das perspectivas; do retorno do investimento público pela valorização fundiária) e economia local (avaliada através do PIB, do nível de emprego, do grau de industrialização, da renda per capita; da arrecadação oriunda de atividades turísticas).
Relação de causa e efeito principal
No caso da aplicação do BSC para    o meio urbano, o fim maior a ser buscado é o desenvolvimento sustentável,    que será atingido quando os objetivos e metas das demais perspectivas    também o tenham sido. Ao contrário da área empresarial,    a perspectiva econômica não é o principal objetivo das cidades,    sendo uma das finalidades-meio para que seja atingido o objetivo-fim do desenvolvimento    sustentável.
A perspectiva econômica dará suporte    para os investimentos públicos e privados e viabilizará a realização    das estratégias das demais perspectivas através da destinação    de recursos de forma equilibrada.
A perspectiva físico-espacial, na qual    estão contidas as questões de infraestrutura, de conforto aos    usuários dos ambientes e de suporte às atividades da população,    depende do desempenho da perspectiva econômica e interfere no desempenho    tanto da perspectiva social quanto da ambiental. Através dessa perspectiva    as obras de infra-estrutura necessárias ao correto funcionamento da cidade,    a definição de seus usos e forma de ocupação e o    controle das condições de conforto viabilizarão a efetivação    das atividades e relações sociais em maior ou menor grau de conformidade    com os princípios norteadores das políticas urbanas. As relações    com o meio ambiente também serão afetadas pelo grau de urbanização    e pelas práticas e técnicas utilizadas nesse processo.
As perspectivas social e ambiental posicionam-se    no topo da estrutura de causa e efeito e se relacionam de forma horizontal,    sendo que ambas podem ser causa ou efeito uma da outra, dependendo do fenômeno    observado. Entretanto as quatro perspectivas são objetivos-meio para    o objetivo maior, que é o desenvolvimento sustentável da cidade.    A figura 6 mostra a cadeia de causa e efeito do BSC proposto,    exemplificando alguns dos fatores críticos de cada perspectiva.
Sistema de indicadores para o desenvolvimento    sustentável
Para este artigo, a escolha dos indicadores que    farão parte do modelo proposto foi feita com base nas abordagens da Organização    para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, 1993)    e da Environmental Protection Agency (EPA, 1995), que se têm constituído    em marcos direcionadores, em especial para a área ambiental. O sistema    conceitual de indicadores proposto e adotado pelos países da OCDE baseia-se    no entendimento comum de seus pressupostos, servindo como referência e    sendo o mais adotado atualmente no mundo. O sistema "pressão-estado-resposta",    como é denominado, está baseado no conceito da causalidade (OECD,    1993):
Atividades humanas exercem pressão sobre o meio ambiente e mudam sua qualidade e a quantidade dos recursos naturais (estado). A sociedade responde a essas mudanças através de políticas ambientais, econômicas e setoriais (resposta social). (...) Esses passos formam parte de um ciclo (política) ambiental que inclui a percepção dos problemas, a formulação de políticas, o monitoramento e a avaliação política.
Os indicadores na estrutura de sistema pressão-estado-resposta    estão representados na figura 7.
A partir dos fatores críticos foram identificados    indicadores essenciais que retratam o panorama de cada fator crítico    em relação aos aspectos que exercem pressão sobre a atividade    observada; ao estado, ou seja, à situação em que se encontra    esse fator; e em relação às respostas que estão    sendo dadas pelo poder público ou pela comunidade através de políticas    e programas.
 De fundamental importância para a compreensão    da proposta é que os indicadores escolhidos são frutos de um primeiro    processo de aproximação, tendo em vista a abordagem construtivista    do sistema e o caráter de participação que se busca inserir    no processo de planejamento e de gestão. Um dos conceitos adotados pelo    trabalho é a estratégia utilizada pela Environmental Monitoring    and Assessment Programs (Emap) (EPA, 1995), que prioriza a natureza interativa    entre os grupos envolvidos no uso dos indicadores e no processo de desenvolvimento    dos mesmos, demonstrando, com isso, a necessidade continuada de reavaliar e    desenvolver, sistematicamente, indicadores apropriados aos usuários.
Devido à abrangência dos aspectos    observados, foi proposta uma gama bastante extensa de indicadores, os quais    podem ser encontrados em Rossetto (2003).
Avaliação integrada da sustentabilidade    urbana 
A prática tem mostrado que a ação    de medir auxilia tanto os decisores quanto os cidadãos comuns a conceitualizar    objetivos, estudar alternativas e operacionalizar a implementação    de políticas norteadoras do desenvolvimento humano. A abordagem setorial,    entretanto, compõe-se de uma barreira para o desenvolvimento de indicadores    sistêmicos e de índices de agregação em ordem superior,    a partir dos mesmos (Bollmann, 2001; Bollmann e Marques, 2001).
No caso do ambiente urbano, o entendimento das    alterações nele provocadas tem sido historicamente abordado sob    o ponto de vista reducionista, sendo estudados os fenômenos isoladamente    ou, no máximo, agrupados por campo do conhecimento. Nesse sentido, uma    abordagem proposta pelo Scientific Expert Group, grupo de trabalho de projeto    da Unep/Unesco para a avaliação integrada de bacias hidrográficas,    apresenta uma estratégia de gestão ambiental baseada na análise    ecossistêmica, que é capaz de elaborar um balanço ponderado    multinível de índices obtidos em ações de monitoramento    da região observada (Unep/Unesco, 1987).
Em uma análise efetuada sobre a metodologia,    Bollmann (2001) considera que a grande inovação do modelo consiste    em agregar indicadores de variáveis pertencentes a distintos grupos do    conhecimento, através de aproximações sucessivas, até    gerar um único indicador de desempenho geral da área.
A aplicação deste instrumento,    com base no modelo proposto pela Unep/Unesco (1987) e adaptada para o sistema    de indicadores proposto por Rossetto (2003), permite uma apreciação    multidimensional do desenvolvimento municipal, fornecendo análises mais    abrangentes do impacto das distintas ações e fatos urbanos em    cada um dos fatores críticos, nas perspectivas separadamente ou na cidade    como um todo.
O método baseia-se explicitamente no conceito    da "programação por compromisso", que faz parte de um    grupo de metodologias multicritério de apoio à decisão    conhecido como "de articulação progressiva das preferências    do gestor". A composição dos indicadores é feita a    partir da normalização dos resultados entre os valores 0 e 1 e    as formulações matemáticas e as rotinas operacionais foram    mantidas iguais ao modelo Unep/Unesco (1987). A estrutura de composição    multinível é utilizada, tendo sido alteradas a quantidade de níveis    e a divisão dos sistemas observados. O modelo Unesco considera o meio    ambiente fonte de recursos para o sistema socioeconômico.
A metodologia propõe gerenciar ou monitorar    um sistema através da quantificação dos indicadores e da    definição do estado atual, da melhor e da pior situação    que estiver sendo medida pelo indicador. Assim eles se tornam valores-padrão    que medem o relacionamento entre os valores desejados e os observados pelas    medições no sistema. Nessa proposta, a composição    dos indicadores é feita a partir da agregação dos indicadores    básicos de cada fator crítico e, após, entre as perspectivas    social e econômica e físico-espacial e ambiental. Esses dois indicadores    compostos geram o indicador de sustentabilidade da cidade. Essa etapa permitirá    que sejam também efetuadas simulações de situações,    arbitrando resultados para indicadores ou para qualquer um dos níveis    de composição (figura 8).
Por exemplo: os indicadores de moradia urbanizada,    transporte público e saneamento básico são agregados, fornecendo    um indicador de inclusão territorial. Esse, por sua vez, é agregado    aos indicadores de estrutura social, educação, cultura, saúde,    esporte, lazer, segurança pública, participação    popular, já agregados em seus itens básicos, fornecendo o grau    de sustentabilidade da perspectiva social. Esse indicador será agregado    ao indicador econômico, gerando um indicador de terceiro nível.    O mesmo processo é feito para os indicadores das perspectivas ambiental    e físico-espacial, sendo que o último nível de agregação    será o que inter-relacionará os indicadores de terceiro nível    e fornecerá o ponto de sustentabilidade da cidade.
Embora seja uma formulação matemática    e ofereça parâmetros numéricos para a avaliação    dos diversos níveis, a essência do modelo ainda é qualitativa,    pois os resultados são diretamente dependentes das decisões relativas    à definição de parâmetros e pesos de importância    para cada item, decisões essas que antecedem a aplicação    das rotinas matemáticas. Sua métrica baseiase em uma noção    geométrica de "melhor", devendo ser definido para cada um dos    indicadores básicos o que a equipe de trabalho ou a comunidade considera    a situação ideal e o que considera a pior situação    possível. Outro momento em que a linha de atuação política    irá direcionar os resultados é na atribuição dos    pesos de cada item nos níveis de agregação. Desse modo,    se os gestores e a comunidade considerarem que a questão social possui    maior relevância que a ambiental, ou que a físico-espacial possui    a mesma importância que a econômica, os pesos para avaliação    da sustentabilidade foram estipulados seguindo essa preferência.
Cabe lembrar que, para ser considerado sustentável,    segundo definição que norteia o presente trabalho, o desenvolvimento    deve apresentar equilíbrio entre as quatro perspectivas escolhidas. Assim,    os pesos atribuídos procuraram sempre imprimir um caráter de igualdade    de relevância entre elas.
O modelo fornece o ponto de sustentabilidade    para cada uma das etapas intermediárias e ainda viabiliza a geração    de cenários e simulações para auxiliar a gestão    e o planejamento urbano.
Método aditivo linear 
O quarto instrumento que compõe o Sigau    é uma metodologia de apoio à decisão para a qual foi utilizado    um método desenvolvido por Bramont (1996) em sua tese de doutoramento    na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) denominado Método Aditivo    Linear (MAL). Cabe salientar que, como os demais instrumentos, a estrutura proposta    permite que os modelos possam ser alterados ou substituídos por outros    que desempenhem o mesmo papel e que se adaptem a situações específicas.    Ou seja, outra metodologia MCDA poderá ser utilizada desde que incorpore    os indicadores utilizados para o acompanhamento das metas estipuladas no BSC.
Este método foi escolhido em virtude de    sua estrutura ser extremamente simples, o que viabiliza que municípios    de qualquer porte possam utilizálo. As rotinas matemáticas são    operacionalizadas em uma planilha Excel de fácil manuseio.
A utilização do método deve    estar vinculada às estratégias definidas no PEP e gerenciadas    pelo BSC. A partir da definição para cada estratégia dos    objetivos, metas e iniciativas, uma série de projetos pode ser elencada    a fim de solucionar os problemas apresentados ou para alcançar as metas    estabelecidas. O método permite a definição de critérios    e a incorporação de valores ditos sociais, que guiarão    a escolha ou a priorização de execução dos mesmos.    Por exemplo, em relação ao fator crítico denominado criança    e adolescência marginalizada pertencente à estrutura social da    perspectiva social, um dos projetos para redução do percentual    de crianças e adolescentes envolvidos em infrações pode    ser o da implantação de uma granja comunitária que retire    da rua as crianças e os adolescentes, amplie a renda familiar dos envolvidos    e promova sua profissionalização e de seus familiares. Outro projeto    pode ser a ampliação da estrutura de unidades correcionais. A    priorização entre esses projetos será feita a partir da    identificação dos critérios que norteiam o desenvolvimento    das estratégias e das políticas urbanas adotadas pelos gestores    a partir dos seguintes passos:
estimativa da importância dos critérios  pontos em unidade de valor que levam em conta a importância relativa dos critérios e, assim, refletem os trade offs entre eles;
cálculo dos valores dos projetos;
priorização inicial dos projetos;
análise de robustez  feita através da variação dos coeficientes dos critérios, aleatoriamente e independentemente ao mesmo tempo, segundo uma função distribuição de probabilidade especificada pelo decisor;
o último passo consiste na priorização final.
3. Exemplificação em município    de porte médio
Em virtude de constituir-se em um sistema flexível    e adaptar-se à realidade de qualquer cidade, a exemplificação    poderia ter sido inteiramente fictícia. Entretanto optou-se por um exemplo    real, mesmo que inúmeros procedimentos tenham que ter sido simulados,    tendo em vista que uma situação conhecida forneceria melhores    subsídios para as análises. A escolha por Passo Fundo ocorreu    em função do acesso a inúmeros dados e por ter a cidade    passado por um processo de planejamento recente que, após uma análise    crítica sobre as diferenças entre ele e o processo de planejamento    proposto (PEP), serviu de pano de fundo para as demais fases do sistema.
Cidade de porte médio do Rio Grande do    Sul, Passo Fundo possuía, em 2000, uma população de 168.440    habitantes, sendo que, desses, 163.748 residiam na área urbana (IBGE,    2003). Com área total de 759,4 km2, área rural de 63.900    hectares e um perímetro urbano de aproximadamente 120 km2,    dos quais em torno de 70 km2 encontram-se urbanizados, sua densidade    média é de 221,8 hab./km2.
O processo de planejamento que ocorreu durante    o ano de 2000 no município de Passo Fundo foi analisado a partir de material    coletado nas secretarias da prefeitura e de entrevista com diversos técnicos    envolvidos na efetivação do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado    (PDDI), com lideranças políticas e com representantes de entidades    e associações da comunidade. O termo de referência (Prefeitura    Municipal de Passo Fundo, PMPF, 2000) serviu como espinha dorsal para a análise,    sendo a seguir apresentada uma síntese do documento.
Os objetivos gerais são aqueles referentes    ao desenvolvimento de Passo Fundo e aos processos de administração    e planejamento do município. São eles:
promover o desenvolvimento integrado do município de Passo Fundo;
propiciar a melhoria da qualidade de vida no que se refere a serviços e infra-estrutura públicos postos à disposição da comunidade;
propiciar o desenvolvimento das atividades produtivas urbanas e rurais, preservando o equilíbrio ambiental;
garantir que a propriedade cumpra sua função social, atendendo as exigências fundamentais de ordenação da cidade e do município;
racionalizar os investimentos do setor público através da participação comunitária na fixação das prioridades das políticas e programas a serem implantados;
propor uma política de desenvolvimento para Passo Fundo.
Tendo em vista a impossibilidade de desencadear    um processo de planejamento com todos os requisitos expostos pelo PEP sem uma    decisão comunitária, a exemplificação do Sigau foi    feita considerando como primeira fase o PDDI efetuado pela prefeitura e o planejamento    estratégico implementado pelo Conselho de Desenvolvimento. A partir da    escolha de algumas das estratégias geradas nos processos anteriormente    citados, as fases seguintes do Sigau foram simuladas a fim de facilitar o entendimento    da estrutura e da abrangência do sistema proposto.
Na exemplificação do Sigau foi    considerada a premissa maior colocada pelo trabalho, tendo sido adotadas as    perspectivas, os fatores críticos e os indicadores propostos no texto.    As perspectivas observadas para o desenvolvimento sustentável foram a    social, a ambiental, a físico-espacial e a econômica. A estratégia    selecionada para desdobramento neste artigo foi garantir que a propriedade cumpra    sua função social, atendendo as exigências fundamentais    de ordenação da cidade e do município (o código    designado para essa estratégia foi E1).
Foram simulados para a estratégia objetivos,    metas e iniciativas. Também foram identificados fatores críticos    e fontes de financiamento, como pode ser observado na planilha de acompanhamento    do BSC. Os fatores críticos direcionaram a escolha pelos indicadores    que oferecem subsídio para as análises pontuais e, ao mesmo tempo,    alimentam o sistema de avaliação integrada.
Para exemplificar da utilização    do MAL, a perspectiva social teve como objetivo promover o acesso à terra    urbanizada desdobrado na meta de implantar cinco loteamentos de interesse social    em áreas desocupadas dentro do perímetro urbano.
Foram avaliadas diferentes áreas para    a implantação dos loteamentos, cujos critérios utilizados    para a priorização foram:
1. Distância da área ao Centro     80    
2. Número de domicílios previstos  100
3. Recursos necessários para saneamento básico e energia elétrica  80
4. Recursos necessários para infra-estrutura viária  50
5. Distância da rede pública de ensino  80
6. Distância do atendimento ambulatorial  50
7. Proximidade de nascentes ou cursos d'água  50
8. Distância do local de origem  25
2. Número de domicílios previstos  100
3. Recursos necessários para saneamento básico e energia elétrica  80
4. Recursos necessários para infra-estrutura viária  50
5. Distância da rede pública de ensino  80
6. Distância do atendimento ambulatorial  50
7. Proximidade de nascentes ou cursos d'água  50
8. Distância do local de origem  25
A partir da primeira definição    dos critérios, dos valores e dos pesos, as rotinas matemáticas,    conforme descrito na fundamentação teórica e implementadas    pela planilha Excel, promovem o cálculo do desempenho das áreas    perante cada critério, a análise de robustez e a priorização    final. As áreas 2 e 3 foram as que apresentaram melhor desempenho ante    os critérios estabelecidos (figura 9).
Cabe salientar que em um primeiro momento somente    foram avaliadas áreas pertencentes ao poder público e em locais    com vocação residencial. Assim, não foi considerado o critério    custo da terra. Caso a prefeitura considere também a possibilidade de    aquisição de áreas, o que poderá ocorrer para as    próximas implantações, esse novo critério deverá    ser incluído ou substituir um dos existentes.
 Para a avaliação integrada, devido    à dimensão da tarefa de levantamento de dados, que deverá    ser obrigatoriamente efetuada envolvendo inúmeras equipes de trabalho,    e demonstrando que a estrutura proposta permite um crescimento a partir do desenvolvimento    das capacidades institucionais de cada município, algumas informações    foram coletadas em diversos bancos de dados, outras o foram in loco,    umas foram estimadas, e outras deixadas em branco, situação que    poderá ocorrer na realidade.
Deve ficar claro que o objetivo da exemplificação    não foi avaliar a condição real de sustentabilidade do    município, mas a utilização do Sigau em condições    mais próximas da realidade, visando identificar as dificuldades.
O resultado obtido, que está disponível    em Rossetto (2003) através dos indicadores coletados e estimados, foi    o de que o município de Passo Fundo encontra-se em uma situação    ainda bastante incipiente de desenvolvimento sustentável (figura    10).
O pior desempenho apresentado foi o da perspectiva    físico-espacial, e seu fator crítico mais deficiente foi a organização    físico-espacial. Entretanto, ao se avaliar a planilha de indicadores    compostos de segundo nível, observa-se que o resultado pode ser explicado    em função do baixo desempenho em todos os fatores críticos.
Já a perspectiva social, embora tenha    ficado com um indicador levemente superior, seus indicadores compostos de segundo    nível demonstram que alguns fatores críticos estão com    pior desempenho, como, por exemplo, segurança pública, lazer e    inclusão territorial. Esses fatores foram compensados pelo desempenho    da saúde, da educação e da cultura. Seu melhor desempenho    foi apresentado na perspectiva econômica, no fator crítico economia    local.
O sistema permite ainda que as avaliações    sejam desdobradas para os indicadores de segundo nível e indicadores    básicos, fornecendo um rico material de análise.
Ao se utilizar o sistema em Passo Fundo ficou    evidente a desarticulação das informações geradas    pelos diversos órgãos. A atualização dos dados variou    entre 1996 e 2003, as unidades de análise não se sobrepuseram    (o IBGE e a PMPF utilizam distintas divisões setoriais) e alguns dados,    necessários para exemplificar os fatores críticos para cada perspectiva,    tiveram que ser coletados, como, por exemplo, as condições ambientais    e a interferência da urbanização no microclima.
4. Conclusões
O presente artigo foi motivado pela necessidade    de alteração das práticas atuais de planejamento e gestão    de espaços urbanos. A problemática apresentada na realidade brasileira    assume proporções assustadoras, visto que se propagam de forma    geométrica os problemas sociais e ambientais na grande maioria das cidades,    independentemente de seu porte ou nível de desenvolvimento.
Criar um caminho que melhore o processo decisório    na gestão municipal de forma a possibilitar o aumento da qualidade do    ambiente urbano foi o que direcionou o desenvolvimento deste artigo. A utilização    de um BSC observando as perspectivas social, ambiental, físico-espacial    e econômica de forma integrada representa um avanço no processo    decisório, esse voltado à busca pelo desenvolvimento sustentável.    Essa observação feita a partir de uma estrutura de indicadores    baseada em um sistema de pressão-estado-resposta fornece os subsídios    necessários para uma avaliação integrada do panorama da    cidade, avaliação essa de fundamental importância para as    escolhas coletivas.
Uma contribuição bastante significativa    em termos de operacionalização da avaliação do desenvolvimento    da cidade é o instrumento que se baseou na metodologia proposta pela    Unep/Unesco, cuja integração de indicadores de diferentes perspectivas    e sua composição em níveis sucessivos garantem uma análise    abrangente da situação em que se encontra a cidade a partir dos    parâmetros que a própria comunidade estabelecer como limites para    cada questão. A possibilidade de avaliar cenários para cada uma    dessas questões disponibiliza um rico material de trabalho e de comunicação.
Com este instrumento, a transparência e    a facilidade de comunicar a posição da cidade auxiliam na condução    dos trabalhos de planejamento e fornecem credibilidade aos trabalhos de gestão.    A flexibilidade do sistema possibilita que as características de cada    município sejam consideradas desde a escolha das perspectivas a serem    observadas, que aceitam desdobramentos ou subtrações, desenhando    o perfil da cidade até a escolha dos indicadores. O artigo propõe    uma sistemática de escolha de indicadores considerados importantes para    o desenvolvimento sustentável, os quais devem ser adaptados a cada caso,    pois sua própria escolha já direciona a comunidade para seus objetivos    maiores. Cabe salientar que este artigo recomenda a manutenção    no mínimo dos indicadores que direcionam ações para a busca    da justiça social e do equilíbrio ecológico, correndo o    risco, em caso contrário, de o desenvolvimento tornar-se sustentável    somente no rótulo.
A definição dos parâmetros    e pesos da etapa de avaliação integrada da sustentabilidade urbana    demanda estudos interdisciplinares, definindo intervalos aceitáveis de    oscilação das prioridades, de modo a não distorcer o objetivo    maior do trabalho, que é direcionar o crescimento de forma sustentável,    ou seja, com equilíbrio entre as perspectivas.
Por último, ao se propor um método    de priorização de projetos, que pode ser substituído por    outros mais elaborados e complexos à medida que as equipes aprimoram    suas capacidades técnicas, fecha-se o ciclo do processo decisório,    viabilizando que os projetos sejam escolhidos a partir das estratégias    maiores, definidas pela comunidade e ratificadas pelos gestores e agentes públicos    e privados que irão efetivá-las. Embora desempenhem a importante    tarefa de direcionar e equilibrar as ações de planejamento e gestão,    os instrumentos escolhidos para as três fases do Sigau são de fácil    operacionalização e compreensão, buscando viabilizar sua    utilização em qualquer município da rede urbana brasileira.
Outros estudos indicados para a continuidade    das proposições sobre a aplicabilidade do sistema são o    de sua utilização no formato de municípios consorciados    de uma região, na perspectiva da retomada do planejamento regional ou    de utilização em regiões metropolitanas e aglomerados urbanos    e no âmbito de bacia hidrográfica.
Considerando o delicado momento por que passa    a rede urbana brasileira, no qual a mudança das práticas de planejamento    e de gestão está condicionada ao total colapso das cidades, o    sistema proposto encaminha uma nova postura ao enfocar as questões que    interagem no espaço urbano de forma integrada e incorporar os conceitos    de sustentabilidade. As próprias mudanças no cenário nacional    apontam para uma maior autonomia dos municípios e, ao mesmo tempo, maior    articulação entre municípios se solidarizando em forma    de consórcios, como contra a tendência à guerra fiscal,    em novas formas de organização supramunicipal no marco da busca    de um novo pacto federativo. Em contrapartida aumenta a responsabilidade em    gerir seus próprios destinos, ambiente propício para a mudança    de paradigmas.
E, por fim, em relação à    utilização do sistema, recomenda-se que um processo de planejamento    consolidado em bases participativas seja o direcionador das estratégias,    que todo o sistema seja uma conquista coletiva e que seja utilizado para aumentar    a transparência das ações públicas. Que cada comunidade    procure incorporar suas características peculiares, mas que preserve    como seu maior objetivo a melhoria efetiva da qualidade de vida das populações    de forma justa e equilibrada e que o desenvolvimento seja garantido para todos.
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