Governo eletrônico, ou e-gov, (do inglês electronic
government), consiste no uso das tecnologias
da informação — além do conhecimento nos processos internos de
governo — e na entrega dos produtos e serviços do Estado tanto aos cidadãos como à indústria e no uso
de ferramentas eletrônicas e tecnologias
da informação para aproximar governo e cidadãos. Essa
aproximação é feita para superar obstáculos da comunicação entre as duas esferas.
As diferentes ferramentas usadas podem ser portais de internet com fóruns,
exposição de bancos de dados, aplicativos para telefonia móvel e telefones de
serviço. Essas ferramentas também podem ser usadas entre governos e entre
governo e organizações privadas, públicas ou de terceiro setor.Muitas das tecnologias envolvidas e
suas implementações são as mesmas ou similares àquelas correspondentes ao setor
privado do comércio
eletrônico (ou e-business), enquanto que outras são
específicas ou únicas em relação às necessidades do governo. Visa construir
uma arquitetura interoperável a fim de munir os cidadãos com acesso a informações e serviços.
De modo geral, aceita-se a noção de governo
eletrônico como ligada à prestação de serviços
públicos por meio eletrônico, ou seja, utilizando-se recursos de
tecnologia da informação, em caráter remoto e disponível no sistema 24/7 ou
seja, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana.
As atividades do governo eletrônico partem da
automatização de processos pré-existentes no papel e em escritórios. E assim,
surgem novas maneiras de debater e decidir estratégias, fazer transações,
escutar as demandas das comunidades e de organizar e divulgar informações de interesse
público. O objetivo dessa inovação é fortalecer as relações dos
governos e torná-los mais efetivos, aumentando a transparência, a responsividade
e a administração de recursos.
O governo eletrônico objetiva também diminuir as
distâncias entre os poderes Executivo ou Legislativo e os governados. Isso
permite criar uma esfera de diálogo entre as duas partes sem haver a
necessidade de deslocamento de alguma delas. O pesquisador Lemos (2004) defende
que o governo eletrônico objetiva regenerar o espaço público, otimizar os
serviços prestados à população e estimular a interação e discussão dos
problemas locais.
Os exemplos de serviços oferecidos pelo governo eletrônico são
extremamente diversificados e dependem da função de cada governo que origina a
ferramenta.
Prestação de Contas
Disposição de dados sobre gastos públicos, movimentações financeiras,
divulgação de orçamentos, licitações, fechamentos e cancelamentos de contratos.
Isso permite que cidadãos e empresas tomem conhecimento das atividades do governo
e fiscalizem o uso do dinheiro público. Vale lembrar que a transparência com as
atividades não é um bônus que um governo pode oferecer, mas uma obrigação,
partindo dos pressupostos democráticos.
Requisições
Ferramentas em que o cidadão pode fazer uma requisição de algum serviço
público, reclamar de algum que foi malfeito ou não foi cumprido e verificar
cronogramas de obras públicas. Essa ferramenta elimina a necessidade de um
intermediário e da sujeição aos seus interesses, como representantes no Poder
Legislativo. Além disso, fortalece a importância das comunidades nos governos.
Espaço para discussão
Fóruns em que cidadãos podem opinar, discutir ou propor ideias e
projetos para os poderes Executivo e Legislativo, ou de uso do orçamento
público. É uma maneira de abrir discussões que se limitavam à esfera pública
para os maiores interessados. Trata-se de uma maneira democrática e econômica
de atingir públicos mais distantes das discussões de assuntos públicos e mais
uma vez, eliminar a necessidade de intermediários.
Ouvidoria
Espaços de acesso gratuito no qual os cidadãos podem reclamar, pedir
informações ou expressas sua avaliação sobre órgãos públicos, serviços e
governos. Esses espaços devem ser de livre expressão e não devem haver
restrições para seus usuários.
Cadastro e serviço online
Uso de softwares e programas on-line para cadastrar dados ou executar
serviços obrigatórios ou facultativos. Um exemplo é a declaração de Imposto de
Renda online. Essa ferramenta diminui custos para o cidadão de deslocamento,
força de trabalho e tempo. Ao mesmo tempo, quando apresenta apenas a
alternativa on-line, pode ser excludente.
Histórico
Segundo Chahin (2004), o governo eletrônico como movimento mundial
começou após o lançamento do primeiro browser que permitia uma navegação fácil
pela internet, em 1993. Formalmente, a idéia de governo eletrônico foi lançada
quando Al Gora, então vice-presidente dos Estados Unidos, abriu o primeiro
Fórum Mundial de Reinvenção de Governo. Desde então, governos de todo o mundo
têm investido em novas ferramentas de comunicação a partir das novas
tecnologias eletrônicas.
Fases da implantação do
governo eletrônico
Segundo documento da ONU, os estágios de implantação do governo
eletrônico compreendem os seguintes estágios:
Estágio I – Surgimento – Lançamento de websites oficiais de órgãos
públicos contendo informações básicas e estática, links e pouca interação
Estágio II – Aprimoramento – Governos apresentam mais informações sobre
políticas públicas e governança. Apresentação de links com arquivos acessíveis
aos cidadãos, como atas, leis, boletins e regulações.
Estágio III – interação – Governos disponibilizam serviços online como o
download de formulários e impressão de boletos. Além disso, portais incluem
serviços de conveniência para os cidadãos.
Estágio IV – Transação – Governos começam a se transformar através da
introdução de mecanismos de interação entre cidadãos e governo. Todas as
transações de serviços passam a ser realizadas online.
Estágio V – Conexão – Governos tornam-se entidades conectadas que
respondem às demandas dos cidadãos através de um escritório de desenvolvimento
integrado. Além disso, a participação online e o engajamento dos cidadãos são
estimulados pelos governos no processo de tomada de decisões.
Governo eletrônico e
democracia
As ferramentas do governo eletrônico atendem a três preceitos básicos da
democracia: a transparência, a responsividade e accountability (prestação de contas).
Transparência
É uma obrigação dos governos democráticos facilitar o acesso a informações
públicas e assim, aproximar o cidadão do governo. O uso de websites para a
divulgação de informações de maneira ilimitada é uma ferramenta fundamental
para atender a esse preceito. Da mesma forma, o governo deve deixar o espaço
aberto a esclarecimentos para a população.
Responsividade
Trata-se da capacidade de um governo de responder às demandas da população.
As ferramentas de interação permitem a troca de idéias e informações que ajudam
o governo a moldar suas políticas públicas, orçamentos e programas de acordo
com a opinião exposta pelos cidadãos. Esse preceito não é cumprido quando da
simples abertura de um espaço para exposição de idéia, se não há modificações
efetivas por parte do governo.
o acesso à prestação de contas por parte dos governos é necessário para
que os cidadãos formem suas opiniões a seu respeito. Por esse motivo, a
divulgação desses dados é um dever dos governos e um direito de todos os
cidadãos. Além disso, é de direito dos cidadãos ter espaços acessíveis de
expressão das suas avaliações dos governos, como os canais de ouvidoria.
Fundamentação teórica
A necessidade de investimento em um governo eletrônico é justificada no
surgimento de um novo espaço público, criado a partir da revolução comunicativa
dos meios eletrônicos. Dentro dessa esfera está o ciberespaço, permeado pela comunicação sem a necessidade da
presença do homem, em que todos os indivíduos estão ligados por meio dos seus
relacionamentos.
As novas conexões entre pessoas não englobam mais apenas o espaço comum
da comunidade, da vizinhança. A cidadania também conecta as pessoas. O governo aparece então como uma entidade
imaterial que deve preencher esses novos espaços. Assim como as relações de
trabalho, afetivas e familiares mudaram com o advento da internet, a relação
entre cidadãos e governo também está sendo alterada.
Pierre Lévy afirma que existe uma expansão do ciberespaço
“aumenta a capacidade de controle estratégicos dos centros de poder
tradicionais sobre as redes tecnológicas, econômicas e humanas cada vez mais
vastas e dispersas”. Mas ele argumenta que ainda assim pode haver uma tendência
‘voluntarista’ de usar o ciberespaço em favor do desenvolvimento dos grupos
desfavorecidos, explorando ao máximo seu “potencial de inteligência coletiva”. Ou seja, o advento do
desenvolvimento tecnológico pode ser usado tanto para quem já detém poder
controlar os seus subjugados quantos para reverter esse processo e diminuir as
diferenças entre comandantes e comandados. Lévy também aborda que o uso das
redes pode ser revertido em benefícios indiretos para as cidades, ao eliminar a
necessidade de deslocamentos e conseqüentemente, de custos relacionados a isso.
O cientista Nye Jr. Argumenta que os efeitos da terceira
revolução industrial sobre os governos centrais ainda está num primeiro estágio. Ao
contrário das organizações burocráticas hierárquicas típicas das revoluções
industriais anteriores, a tecnologia da informação permite que as organizações
se descentralizem, através da comunicação virtual. Da mesma forma acontece com
o Estado, que se vê obrigado a fragmentar a sua estrutura hierárquica para
atender às diversas identidades virtuais dos cidadãos e as suas novas demandas
por informações.
Críticas
Entre as críticas da literatura ao uso do governo eletrônico, está o
enfoque na exclusão digital. Isso porque muitos governos
investem em novas tecnologias de governo eletrônico sem se preocupar em
erradicar a exclusão digital. Logo, ao invés de ser uma ferramenta democrática
de acesso ao governo, o governo eletrônico torna esse processo ainda mais excludente,
pois abrange apenas uma minoria com cognição suficiente para uso da internet e conhecimento das estruturas
governamentais. Para aproveitar efetivamente essas tecnologias, o indivíduo
deve não somente ter acesso à internet, mas também dominar a navegação das
informações e sua seleção crítica. Para encontrar as informações públicas de
seu interesse, deve ter, além disso, uma perspicácia sobre a identificação de
órgãos competentes, sua identificação na rede da internet e conhecer
minimamente a sua estrutura.
No Brasil, a situação é crítica não somente pelo acesso reduzido à
internet, mas também devido à falta de conhecimento de muitos de seus cidadãos
sobre as estruturas governamentais. O uso de softwares sofisticados agrava ainda mais esse quadro. Prova
disso são os ‘assessores de declaração do IR’ que surgem nas datas limítrofes à
entrega das declarações de Imposto de Renda. Muitos brasileiros pagam caro para
serem auxiliados a executar o serviço, que é compulsório.
Outra questão discutida é a falta de interesse despertado sobre o
assunto, o que diminui a demanda pelos investimentos nessas ferramentas. Muitos
dados estão disponíveis, alguns são acessados, pouquíssimos são usados. E as
taxas de interação com os governos ainda são baixas, mostrando uma
não-efetividade do serviço.
Isso remonta ao que a cientista Pippa Norris definiu como ‘ciclo virtuoso’
– o acesso à informação sobre o governo torna o cidadão mais engajado e crítico
sobre esse assunto, ao mesmo tempo em que se espera que os cidadãos mais
engajados e críticos tomem a iniciativa de buscar essas informações. Dessa
forma, conclui-se que a ampliação do acesso à informação pública é necessária
no âmbito de um regime democrático, mas tornar-se-á eficiente quando do
estímulo à participação dos cidadãos e da sua boa formação cidadã. Ou seja, se houver
uma avalanche de informações do governo, mas a maioria dos cidadãos não se
sentirem preparados para utilizá-las de forma crítica ou buscá-las, elas
servirão apenas a um grupo de interesse que continuará dominando a esfera de
discussão.
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